sexta-feira, 21 de março de 2008

Marcos Terena-"Razão de Viver"




Razão de Viver!



Marcos Terena(*)



Quando criança vi uma mulher indígena colhendo flores no campo enquanto cantava. Era para enfeitar sua casa e dar mais alegria sua família.

Tempos depois, vi que enquanto colhia suas flores, ela chorava.

Eram as mesmas flores, porém, para enfeitar o corpo de um parente morto.



Ouvimos que “a vida é um combate que aos fracos abate”, mas a tradição ancestral indígena nos educou para a vida como uma fonte preciosa que deve ser sorvida, cultivada e compartilhada a cada amanhecer e a cada anoitecer com respeito e equilíbrio entre o grande Criador, a natureza e nós. Dentro desse espírito está o conceito básico dos ensinamentos de nossos antepassados aos direitos humanos como a justiça, a paz e o respeito, inclusive com os mais fracos e os diferentes. Um sistema individual e coletivo.



Exercitando uma tradição oral e de percepção, aprendemos a observar os caminhos do “civilizador e catequizador” e seu comportamento preconceituoso e racista contra nossa forma de ver a vida e de vivê-la. Falam em Deus, liberdade, democracia e ética, mas sob parâmetros ditados por uma ótica unilateral que nos tratava como um “selvagem” a ser “civilizado”, justificados por argumentos jurídicos, políticos e até mesmo legais.



Como primeiras nações do Brasil com direito a quase 15% do território nacional, descobrimos, que somos parte da globalização. Nossas mais distantes aldeias vão sendo encurraladas com o surgimento de novas cidades, fazendas e projetos econômicos e com isso, novos costumes e novas doenças alterando nossa forma de vida.



No entanto, uma nova consciência indígena vem surgindo para esses novos tempos com a compreensão de que nossas questões são partes daqueles enfrentados por negros e brancos, principalmente os pobres que buscam uma vida digna para sua família, mas desempregados, não tem sequer onde comer e onde morar.



No início dos anos 80, com o surgimento do primeiro movimento político organizado por estudantes indígenas – a UNIND, União das Nações Indígenas – e com o advento do Cacique Mário Juruna, aprendemos a importância de falar dos nossos valores utilizando a máquina do homem branco na defesa de nossa terra e nossa gente.



Graças ao espírito ancestral com a terra e a resistência de nossos líderes na busca de novas informações, passamos a observar com muita atenção os sinais emitidos pela nova civilização como as campanhas eleitorais, os campeonatos de futebol, o carnaval, as guerras e até novas palavras: corrupto = ladrão; crime organizado = quadrilha de bandidos e a meia verdade para mentira. Destruição do Meio Ambiente, Violência Física e Cultural contra os Povos Indígenas, Menores abandonados, trabalho escravo em fazendas, tudo isso como fatos e figuras principais de noticiários, quase um cotidiano a nos absorver como normal e prática, sem que tenhamos a indignação de pelo menos, reagir...



Como povos tradicionais e soberanos, somos defensores do patrimônio territorial e dos valores da nossa terra e do nosso País. Não acreditamos numa sociedade que pretende construir a paz com a guerra, marginalizando famílias, sociedades inteiras e sua própria soberania em nome do desenvolvimento e que elege políticos que usam seus mandatos para encobrirem suas covardias e atos ilegais como escutas telefônicas, compra de decisão judicial e até o voto do eleitor. Uma civilização assim, não tem como assegurar um mundo melhor para as futuras gerações.



A velocidade indígena e o fortalecimento espiritual determinado pelo ritmo do dia e da noite, não permite nossa omissão diante do massacre vivido por nossos antepassados quando mais de mil povos desapareceram, cuja dívida paira como um holocausto erigido ainda que imaterial, no coração do Brasil.



Afirmamos como parte da globalização com responsabilidade à solidariedade, que a paz mundial nunca será construída com plataformas de guerra, por isso, não aceitamos a Guerra no Iraque e nem a violência contra os irmãos do Tibet.



Guerra significa morte, destruição, seqüelas que refletirão no sacrifício de famílias inteiras e principalmente de jovens. É preciso uma reflexão ampla sobre o que está por trás das justificativas de guerra: petróleo, indústria bélica, controle geográfico, Jogos Olímpicos?



Por tudo isso, acreditamos na importância do Brasil e na espiritualidade dos Povos Indígenas capaz de resgatar nossa auto-estima e respeito como grande potência perante o mundo mesmo diante das mudanças globais tecnológicas, econômicas e sociais. Um país que possui 180 línguas faladas, 10% das águas de beber e mais da metade da biodiversidade do planeta, pode gerar novas formas de convivência humana e relacionamento comercial com equilíbrio ecológico, distribuição de renda e fortalecimento da pesquisa científica, assim como um modelo de saúde preventivo, com base no direito soberano apenas de comer.



Assim nossas mulheres indígenas poderão colher suas flores em nossas terras para enfeitar nossas casas, nossas famílias e nossos corações, talvez como o pássaro que voa em busca do aconchego de seu ninho com um pedaço de capim na ponta do bico.



Poesia? Sim, mas com a realidade e razão de viver!



(*)Autor: Marcos Terena , escritor,líder de origem indígenas pantaneiro do Mato Grosso do Sul .

Enviado pela Embaixadora no Brasil de Poetas del Mundo,Delasnieve Daspet.
Postado por Clevane_em_Pessoa às 21:30 0 comentários
Marcadores: Marcos Terena:"Razão de Viver"
Sábado, 9 de Fevereiro de 200

Um comentário:

vera marcia disse...

O homem "civilizado" cometeu um dos atos mais cruéis ao acreditar-se civilizado e confundindo o pretexto da palavra com superioridade racial, neste parecer ele parece um selvagem marginal que transferiu os elementos de sua indignação contra povos que como ele não se vestiam ou se alimentavam, os povos "comuns" vulgarmente entitulado de selvagens eram os mais puros e sensíveis na sua totalidade de vida em harmonia com a mãe natureza. Um triste episódio de genocídio torpez, cometeram crimes hediondos contra uma humanidade civilizada e organizada, que por seus hábitos simples incomodaram os "sábios civilizados",... disso só podemos nos envergonhar, deveríamos colocar nos livros de história escolar que esses não foram atos bravios de descobrimento territorial, mas atos covardes de roubo à mão armada, concluidos com requintes de crueldades e humilhações contra pessoas simples, cativas e de coração aberto à hospedar estranhos em suas cabanas familiares. Esse é um preço caro pago pela ganância, fome de sangue e probres de espíritos que foram esses assassinos em série. Infelizmente esses atos de covardia ainda lateja nos corações daqueles que se sentem ameaçados pela singeleza e dignidade dos mais "fracos", ainda há muito para escalarmos, ainda há muitas barreiras para vencermos, covardia, torpezas, egoísmo, falta de amor altruísta. Mas um dia chegaremos a esse patamar de amplidão dos sentimentos, e seremos uma humanidade melhor e aprenderemos que para preservar o planeta temos que preservar seus habitantes, bem como a sua biodiversidade.
Vera Marcia Miranda Asilveira